terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Panorama do Teatro Brasileiro 1



Milton Ferreira Verderi




Decidi falar sobre o teatro brasileiro e suas origens. Nosso Teatro tão rico, tão fluente e com tantos afluentes. Num país tão sem memória, esquecemos de nossa arte, e acho que devemos lembrá-la.

O teatro no Brasil tem suas origens remotas com os Jesuítas do Século XVI, com suas práticas de evangelização, mas se popularizou mesmo no século XX.

O teatro dos Jesuítas no século XVI – posso deixar mais preciso, que os jesuítas que iniciaram o uso do teatro aqui no Brasil, eram vindos de Coimbra - tinha como objetivo claro a evangelização dos índios e apaziguar os conflitos entre os colonos portugueses e espanhóis.

No primeiro grupo de jesuítas a desembarcar na Bahia de Todos os Santos, em 1549, tinha em sua comitiva – encabeçada por Tomé de Souza – quatro religiosos, entre eles o padre Manuel da Nóbrega.

No segundo grupo que chegou no Brasil em 13 de julho de 1553, na comitiva de Duarte da Costa, estava o jovem José de Anchieta, com dezenove anos de idade. O Brasil já era chamado de Província do Brasil.

O Brasil tinha somente 57 mil habitantes, na época, formado por colonos, geralmente criminosos e os índios de vida nômade.

Para que não houvesse conflitos durante a catequese, os jesuítas, começaram a adequar os aparatos indígenas, plumas, etc, para o teatro e catequização, introduzindo até mesmo as danças silvícolas nas representações.

Eles mesclavam , as tradições locais com as narrativas hagiográficas (vida dos santos) e como toda dominação cultural prescinde um conhecimento da cultura do dominado.

O elenco eram os índios catequizados, e o cenário algumas vezes eram montados, mas a maioria das vezes era a própria natureza, e também nos átrios das igrejas, no mais convincente estilo medieval.

O espetáculo mais grandioso foi “ O Auto das Mil Virgens”, em maio de 1583, em honra aos padres Cardim e Gouveia e que contou com a participação de todo o povo da Bahia. Este auto, que era uma tragicomédia inspirada na vida de Santa Úrsula e na lenda das onze mil virgens, foi representada cinco vezes entre os anos de 1582 e 1605.

O pesquisador Mario Cacciaglia em sua "Pequena História do Teatro Brasileiro" faz uma rica descrição do que teria sido a primeira apresentação (1583), que ele adjetiva como espetacular, como segue: "...depois da missa, com acompanhamento de um coro de índios, com flautas e, da capela da Catedral, com órgãos e cravos, teve início uma procissão de estudantes precedida pelos vereadores e pelos sobrinhos ou netos do governador; os estudantes carregavam três cabeças de virgens cobertas por um pálio e puxavam sobre rodas uma esplêndida nau sobre a qual eram levadas em triunfo as virgens mártires (estudantes travestidos), enquanto da própria nau eram feitos disparos de arcabuz. De vez em quando, durante o percurso, falavam das janelas personagens alegóricas, em esplêndidos costumes: a cidade, o próprio colégio e alguns anjos. À noite foi celebrado na nau o martírio das virgens, com o aparato cênico de uma nuvem que descia do céu e dos anjos que chegavam para sepultar as mártires."

O Teatro de José de Anchieta

A maioria dos textos teatrais da época descrita acima que temos em registro, são de autoria do padre José de Anchieta e chegaram a nós graças ao processo de sua beatificação em 1736.

Sábato Magaldi considera, de toda obra do missionário, "o texto mais complexo e digno de interesse", o Auto de São Lourenço ou Na Festa de S. Lourenço é uma peça trilíngüe que teve sua primeira representação na cidade de Niterói em 1583. O texto é rico em personagens e situações dramáticas, envolvendo canto, luta e dança para narrar o martírio do santo. Há muitos aspectos que denotam a inteligência do missionário ao urdir a trama, mas é digno de nota o artifício de substitui o tradicional mecanismo do sincretismo religioso por um outro que poderíamos classificar de sincretismo demonológico. Assim, Anchieta aproxima os demônios da igreja católica dos demônios familiares aos índios (Guaixará, Aimberê e Saravaia) - nomes tomados dos índios Tamoios que se uniram aos invasores franceses, forma também de criticar a situação política do momento. Os demônios advogam pelos terríveis hábitos dos índios: o cauim, o fumo, o curandeirismo e a poligamia. O texto, trilíngüe, visa dialogar com índios, portugueses e espanhóis.

Em Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial Marçal Beliarte, Anchieta cria divertidos diálogos entre demônios que prometem levar muitos pecadores locais para os infernos, além de cânticos de arrependimento dos indígenas que um dia foram antropófagos.
Na visitação de Santa Isabel, considerada última obra do jesuíta, é um diálogo em espanhol que narra o encontro da Virgem Maria com sua prima, Isabel (mãe de São João Batista). Finalizada por uma procissão solene, a encenação era para celebrar a construção de uma Santa Casa de Misericórdia, com data e local de representação obscuros.
Da dramaturgia de catequese, tem registro de 25 obras teatrais, de algumas obras só se tem o título. Segue-se os nomes e representações de tais textos:

· 1557 Diálogo, Conversão do Gentio - padre Manuel da Nóbrega.
· 1564 Auto de Santiago - representado em Santiago da Bahia.
· 1567-70 Auto da Pregação Universal - padre José de Anchieta - representada em São Vicente e São Paulo de Piratininga.
· 1573 Diálogo - representado em Pernambuco e na Bahia.
· 1574 Diálogo - representado na Bahia.
· 1574 Écloga Pastoril - representado em Pernambuco.
· 1575 História do Rico Avarento e Lázaro Pobre - representado em Olinda, padre
· 1576 Écloga Pastoril - representado em Pernambuco.
· 1578 Tragicomédia - representada na Bahia.
· 1578 Auto do Crisma - padre José de Anchieta - representada no Rio de Janeiro
· 1583 Auto de São Sebastião - representado no Rio de Janeiro.
· 1583 Auto Pastoril - representado no Espírito Santo.
· 1583 Auto das Onze Mil Virgens - representado na Bahia
· 1584 Diálogo da Ave Maria - representado no Espírito Santo
· 1584 Diálogo Pastoril - representado no Espírito Santo
· 1584 Auto de São Sebastião - representado no Rio de Janeiro
· 1584 Auto de Santa Úrsula - padre José de Anchieta - representado no Rio de Janeiro
· 1584 Diálogo - representado em Pernambuco
· 1584 Na Festa do Natal - padre José de Anchieta
· 1586 Auto da Vila da Vitória ou de São Maurício - padre José de Anchieta - representado em Vitória (ES)
· 1586 Na Festa de São Lourenço ou Auto de São Lourenço - padre José de Anchieta
· 1587 Recebimento que Fizeram os Índios de Guaraparim - padre José de Anchieta - representado em Guarapari (ES)
· 1589 Assuerus - representado na Bahia.
· 1596 Espetáculos - representado em Pernambuco
· 1598 Na visitação de Santa Isabel - padre José de Anchieta

Nenhum comentário: