terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Panorama do Teatro Brasileiro – Parte 3





Milton Ferreira Verderi


Depois de um “tempo de estio” e muita pesquisa aqui acabo o Panorama do Teatro Brasileiro, tentando ser justo e pedindo desculpas as pessoas que não foram citadas, pois existem tantas vertentes e tantas pessoas que fazer arte neste país, no sentido real da palavra que acabamos por achar que fomos injustos por não citá-las


Escolas de Teatro
Em 1938, Pascoal Carlos Magno cria, no Rio de Janeiro, o Teatro do Estudante, primeiro grupo sério de teatro amador. Como “Hamlet”, é lançado Sérgio Cardoso, que, mais tarde, será a primeira estrela do palco a tornar-se um popular ator de telenovelas.

Em 1948, Alfredo Mesquita funda em São Paulo a Escola de Arte Dramática (EAD).
Ainda em 1948, com ''O casaco encantado'', Lúcia Benedetti lança as bases do teatro infantil interpretado por adultos; sua seguidora mais importante é Maria Clara Machado ''Pluft, o fantasminha'', ''O rapto das cebolinhas'', que, na década de 50, cria o Tablado, importante centro de formação de atores ainda em atividade.
Serviço Nacional de Teatro
Fundado no fim dos anos 40, patrocina a criação de grupos experimentais e a montagem de novos textos brasileiros, como ''A raposa e as uvas'', de Guilherme de Figueiredo, aclamado no exterior.
Novos representantes do teatro de costumes são Pedro Bloch ''As mãos de Eurídice'' e o humorista Millôr Fernandes ''Do tamanho de um defunto''.
Preocupação com a Temática Social no Teatro
Na década de 50 os textos teatrais são marcados pela preocupação com as questões sociais. ''O Pagador de promessas'', de Dias Gomes - também autor de telenovelas -, se transforma num grande sucesso e é adaptada para o cinema em 1962 por Anselmo Duarte. O filme ganha a Palma de Ouro em Cannes.

Nelson Rodrigues, que firmara sua reputação com ''O Anjo Negro'', ''Álbum de Família'' e ''A Falecida'', desperta polêmica com ''Perdoa-me Por me Traíres'', ''Beijo no Asfalto'', ''Bonitinha mas Ordinária'', consideradas escandalosas.
Jorge Andrade retrata a decadência da aristocracia rural paulista em ''A moratória'' e a ascensão das classes novas em ''Os ossos do barão''.

Fora do eixo Rio-São Paulo, Ariano Suassuna, nas comédias folclóricas ''O Auto da Compadecida'' e ''O Santo e a Porca'', cruza o modelo renascentista das peças de Gil Vicente com a temática folclórica nordestina.

Jorge Andrade (1922-1984) nasce em Barretos, interior de São Paulo. Começa a carreira de dramaturgo, incentivado pela atriz Cacilda Becker. Na década de 50 escreve peças dramáticas e nos anos 60 estréia as comédias ''A Escada'' e ''Os Ossos do Barão'', ambas transformadas em novelas de televisão. Para a TV escreve também as novelas ''O Grito'' e ''As Gaivotas''. Ao lado de Nelson Rodrigues, é o dono da obra teatral mais significativa do Brasil: nela se destacam denúncias do fanatismo e da intolerância, como ''Veredas da Salvação'' ou o delicado testemunho autobiográfico de ''Rasto Atrás''.
A Contestação no Teatro
A partir do final dos anos 50, a orientação do TBC, de dar prioridade a textos estrangeiros e importar encenadores europeus, é acusada de ser culturalmente colonizada por uma nova geração de atores e diretores que prefere textos nacionais e montagens simples. Cresce a preocupação social, e diversos grupos encaram o teatro como ferramenta política capaz de contribuir para mudanças na realidade brasileira.

O Teatro de Arena, que com seu palco circular aumenta a intimidade entre a platéia e os atores, encena novos dramaturgos - Augusto Boal ''Marido Magro, Mulher Chata'', Gianfrancesco Guarnieri ''Eles não usam black-tie'', Oduvaldo Vianna Filho ''Chapetuba Futebol Clube'' - e faz musicais como ''Arena conta Zumbi'', que projeta Paulo José e Dina Sfat.

Trabalho semelhante é o de José Celso Martinez Correa no Grupo Oficina, também de São Paulo: além de montar ''Os pequenos burgueses'', de Gorki, ''Galileu, Galilei'', de Brecht, e ''Andorra'', de Max Frisch, redescobre ''O rei da vela'', escrito em 1934 por Oswald de Andrade, mas proibido pelo Estado Novo; e cria ''Roda viva'', do músico Chico Buarque de Holanda.

Chico havia feito a trilha sonora para '' Morte e Vida Severina'', auto nordestino de Natal, de João Cabral de Melo Neto, montado pelo Teatro da Universidade Católica de São Paulo (Tuca) e premiado no Festival Internacional de Teatro de Nancy, na França.

Os passos do Arena, de conotações nitidamente políticas, são seguidos pelo Grupo Opinião, do Rio de Janeiro. Seu maior sucesso é ''Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come'', de Oduvaldo Vianna Filho.

No final da década de 60, novo impulso à dramaturgia realista é dado por Plínio Marcos em ''Dois perdidos numa noite suja'' e ''Navalha na carne''. Outros autores importantes são Bráulio Pedroso ''O fardão'' e Lauro César Muniz ''O santo milagroso''.

Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006) nasce em Milão. Participa da criação do Teatro de Arena. ''Eles não usam black-tie'' - história de uma família de operários durante uma greve e suas diferentes posições políticas - é um marco do teatro de temática social. Junto com Augusto Boal monta ''Arena conta Zumbi'', onde são usadas técnicas do teatro brechtiano. Entre suas peças destacam-se também ''Um grito parado no ar'' e ''Ponto de partida''. Trabalha como ator de cinema (Eles não usam black-tie, Gaijin) e de novelas.


Plinio Marcos (1935-1999) nasce em Santos, filho de um bancário. Abandona cedo a escola. Trabalha em diversas profissões - é operário, camelô, jogador de futebol, ator. Em 1967 explode com ''Dois perdidos numa noite suja'' e ''Navalha na carne'', peças que retratam a vida dos marginais da sociedade. Sua temática realista e linguagem agressiva chocam parte do público e fazem com que suas peças sejam freqüentemente censuradas. Após dez anos sem publicar, lança ''A dança final'' em 1994. Vive da venda direta de seus livros e da leitura de tarô.

Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974) nasce em São Paulo. Filho do dramaturgo Oduvaldo Vianna, torna-se conhecido como Vianinha. É um dos fundadores do Teatro de Arena e do Grupo Opinião. Suas peças ''Chapetuba F.C.'', ''Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come'', ''Longa noite de cristal'', ''Papa Highirte'' e ''Rasga coração ''o transformam num dos mais importantes dramaturgos brasileiros. ''Rasga coração'', síntese do teatro brasileiro de seu tempo, fica censurada por cinco anos durante o regime militar e só é montada em 1979, após sua morte.
Censura
Na década de 70 a censura imposta pelo governo militar chega ao auge. Os autores são obrigados a encontrar uma linguagem que drible os censores e seja acessível ao espectador.
Nessa fase, surge toda uma geração de jovens dramaturgos cuja obra vai consolidar-se ao longo das décadas de 70 e 80:
· Mário Prata (Bésame mucho),
· Fauzi Arap (O amor do não),
· Antônio Bivar (Cordélia Brasil),
· Leilah Assunção (Fala baixo senão eu grito),
· Consuelo de Castro (Caminho de volta),
· Isabel Câmara (As moças),
· José Vicente (O assalto),
· Carlos Queiroz Telles (Frei Caneca),
· Roberto Athayde (Apareceu a margarida),
· Maria Adelaide Amaral (De braços abertos),
· João Ribeiro Chaves Neto (Patética),
· Flávio Márcio (Réveillon),
· Naum Alves de Souza (No Natal a gente vem te buscar).
Marcam época também as montagens feitas, em São Paulo, pelo argentino Victor García: ''Cemitério de automóveis'', de Fernando Arrabal, e ''O balcão'', de Jean Genet - nesta última, ele chega a demolir internamente o Teatro Ruth Escobar para construir o cenário, uma imensa espiral metálica ao longo da qual se sentam os espectadores.
Novas Propostas
A partir do final da década de 70, aparecem grupos de criação coletiva, irreverentemente inovadores.
· ''Trate-me leão'', do Asdrúbal Trouxe o Trombone, aborda o inconformismo e a falta de perspectivas da adolescência e revela a atriz Regina Casé.
· ''Salada paulista'', do Pod Minoga também calca seu humor nos problemas do cotidiano.
· Já ''Na carreira do divino'', de Alberto Soffredini, baseia-se numa pesquisa do grupo Pessoal do Vítor sobre a desestruturação do mundo caipira.
· Antunes Filho é aplaudido por sua adaptação de ''Macunaíma'', de Mário de Andrade, e Nelson Rodrigues, ''O eterno retorno''.
· Luiz Alberto de Abreu ''Bella ciao'', Flávio de Souza ''Fica comigo esta noite'' e Alcides Nogueira ''Lua de Cetim'' e ''Opera Joyce'' destacam-se entre os autores.
· O Ornitorrinco, de Cacá Rosset e Luís Roberto Galizia, inaugura, com ''Os párias'', de Strindberg, e um recital das canções de Kurt Weil e Brecht, uma fórmula underground original.
· Os espetáculos posteriores de Rosset, o ''Ubu'', de Alfred Jarry, o polêmico ''Teledeum'', do catalão Albert Boadella, ''Sonhos de uma noite de verão'' e ''Comédia dos erros'', de Shakespeare, são comercialmente bem-sucedidos.
Antunes Filho (1929- ) começa a trabalhar com teatro dirigindo um grupo de estudantes. Na década de 50 trabalha como assistente de direção no TBC. No final dos anos 70 rompe com o teatro mais comercial em sua montagem de Macunaíma, de Mário de Andrade, um dos marcos do teatro brasileiro. Com Nelson Rodrigues, o eterno retorno, montagem que engloba as peças Toda nudez será castigada, Os sete gatinhos, Beijo no asfalto e Álbum de família, traz à tona a discussão sobre a obra de Nelson Rodrigues. No Centro de Pesquisas Teatrais, pesquisa um modo brasileiro de fazer teatro.
Tendências atuais Marcada pela pluralidade de concepção teatral.
O trabalho dos diretores torna-se mais conhecido do que o dos autores.
Novos Autores
Em São Paulo destacam-se:
· Otávio Frias Filho (Típico romântico, Rancor),
· Noemi Marinho (Fulaninha e Dona Coisa, Almanaque Brasil).
· Marcos Caruso e Jandira Martini que fizeram sucesso com Porca Miséria.
No Rio de Janeiro surge o besteirol, que começa com humor e irreverência e avança para um texto mais crítico. Os mais conhecidos dramaturgos dessa linha são:
· Miguel Falabella (A partilha, Como encher um biquíni selvagem, No coração do Brasil) e
· Mauro Rasi (Batalha de arroz num ringue para dois, Viagem a Forlí).
Novos Diretores
Controvérsia cerca as montagens de Gerald Thomas : Carmen com filtro, Electra e a trilogia de adaptações de Kafka. Entre os cariocas destacam-se Moacyr Góes, com A escola de bufões, e Enrique Díaz, que, aos 22 anos, surpreende com A Bao a Qu, baseado em Jorge Luís Borges. O paulista Ulysses Cruz, com o grupo Boi Voador, monta Velhos Marinheiros e Típico Romântico.
Também desponta o talento do mineiro Gabriel Villela, que faz teatro de rua com o Grupo Galpão, de Belo Horizonte (Romeu e Julieta) e assina as montagens de A vida é sonho, de Calderón de la Barca, e A guerra santa, além de uma excelente A Falecida, de Nelson Rodrigues. Bia Lessa (Cartas portuguesas, Orlando) cria soluções cenográficas originais e faz uma leitura extremamente pessoal de textos clássicos.
A cada dia, novos nomes brilham no cenário teatral brasileiro. Os nomes que apresentamos aqui são apenas alguns entre os muitos outros que atuam por este imenso Brasil. Posso citar dentre vário, principalmente no interior paulista, Ricardo Matiolli com suas concepções graves, pesadas e beirando ao minimalismo e tantos outros que posso chegar a ser redundante e repetitivo em tais palavras.
Espero que estes 3 panoramas, possam ter trazido um pouco mais de cultura ao leitor e ter feito perceber que nosso país é essencialmente cultural em todas as formas!

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